segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Não dês esmola a santinhos


MOTE

Não dês esmola a santinhos,
Se queres ser bom cidadão;
Dá antes aos pobrezinhos
Uma fatia de pão.


GLOSAS
Não dês, porque a padralhada
Pega nas tuas esmolinhas
E compra frangos e galinhas
Para comer de tomatada;
E os santos não provam nada,
Nem o cheiro, coitadinhos...
Os padres bebem bons vinhos
Por taças finas, bonitas...
Se elas são p'ra parasitas,
Não dês esmola a santinhos.



Missas não mandes dizer,
Nem lhes faças mais promessas
E nem mandes armar essas
Se um dia alguém te morrer.
Não dês nada que fazer
Ao padre e ao sacristão,
A ver para onde eles vão...
Trabalhar, não, com certeza.
Dá sempre esmola à pobreza
Se queres ser bom cidadão.


Tu não vês que aquela gente
Chega até a fingir que chora,
Afirmando o que ignora,
Assim descaradamente!?...
Arranjam voz comovente
Para iludir os parvinhos
E fazem-se muito mansinhos,
Que é o seu modo de mamar;
Portanto, o que lhe hás-de dar,

Dá antes aos pobrezinhos.

Lembra-te o que, à sexta-feira,
O sacristão — o mariola! —
Diz, quando pede a esmola:
«Isto é p'rà ajuda da cera»...
Já poucos caem na asneira,
Mas em tempos que lá vão,
Juntavam grande porção
De dinheiro, em prata e cobre,
E não davam a um pobre
Uma fatia de pão.


António Aleixo, in "Este Livro que Vos Deixo..."

2 comentários:

  1. * SUBVERSIVA *

    A poesia
    Quando chega
    Não respeita nada.

    Nem pai nem mãe.
    Quando ela chega
    De qualquer de seus abismos

    Desconhece o Estado e a Sociedade Civil
    Infringe o Código de Águas
    Relincha

    Como puta
    Nova
    Em frente ao Palácio da Alvorada.

    E só depois
    Reconsidera: beija
    Nos olhos os que ganham mal
    Embala no colo
    Os que têm sede de felicidade
    E de justiça.

    E promete incendiar o país.

    [Ferreira Gullar]

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  2. A poesia é sempre uma arma contra os oprimidos... obrigado pelo envio...

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