quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Évora

Esta cidade redonda, que o imperador Augusto baptizou de Liberalitas Julia, é como um livro bem escrito, que principia a desfazer o sentido de orientação do visitante, depois atiça-lhe o fogo da curiosidade e faz dele prisioneiro, súbdito e amante cego dos seus segredos amontoados.
O SONHO ROMANO DE ALARGAR O IMPÉRIO ATÉ À LUSITÂNIA concretizou-se após duzentos anos de investidas e da morte dorida de Viriato e Sertório – os guerreiros invencíveis. Depois, as cidades tomaram a vida desse povo culto que se espalhava por toda a Península, e Évora caiu em graça. Trataram de a desenvolver ao seu jeito e à sua escala. Construíram, fizeram leis e tribunais, exploraram o minério, o comércio, a agricultura e, ainda, as artes e as letras. O seu nome e a sua fama depressa chegaram a Roma, afigurando-se para o Império crucial ponto de apoio na região oeste. Ascende ao escalão de Cidade de Direito Latino, ganha autonomia administrativa e financeira, com direito a cunhar moeda. Daqui em diante, os grandes factos, os grandes homens e as mais belas obras arquitectónicas iluminarão esta cidade para todo o sempre.
Geraldo, o Sem-Pavor, guerreava como lhe convinha e de meigo tinha pouco. Nas noites escuras, saía ao saque, invadindo tudo o que podia. Assim, conquistou Évora aos mouros e, assim, se livrou do pecado, entregando o burgo a D. Afonso Henriques, certo dia de Setembro de 1165. E o rei nomeou-o alcaide-mor. Quanto à praça de seu nome, onde todo o visitante se rende, é uma pequena amostra do que compreende a cidade branca e amarela, onde não há lugar à pequena dimensão. Tudo é grande e tudo é belo. Évora foi residência régia durante largos períodos de tempo, com maior incidência nos reinados de D. João II, de D. Manuel I – que a adornou e adorou como nenhum outro monarca – e de D. João III. O seu prestígio foi particularmente notável no século XVI, quando foi elevada a metrópole eclesiástica e fundada a Universidade de Évora, pelo cardeal D. Henrique, primeiro arcebispo da cidade, e tutelada pela Companhia de Jesus. Mas a prestigiada instituição universitária viria a ser extinta em 1759, na sequência da expulsão dos Jesuítas, operada por ordem do marquês de Pombal. Só dois séculos mais tarde, a Universidade seria restaurada e devolvida à cidade.
Dentro da cinta de muralhas, Évora carrega na sua silhueta todos os estilos, todas as correntes estéticas que ao longo das épocas e dos séculos se originaram.
Dotada de obras de arte de incalculável valor, esculpida sobre mármore e desenhada por mestres que fizeram história, foi classificada pela UNESCO, em 1986, como Património da Humanidade. É difícil listar os mais belos monumentos, as fachadas mais formosas, a rua ou a praça com maior encanto. Da Praça do Giraldo, à Sé Catedral, do Templo Romano ao Palácio dos Duques de Cadaval, da Casa Garcia de Resende ao Largo das Portas de Moura, não fossem os automóveis e recuaríamos aos séculos XVI, XVII ou XVIII. No jardim municipal, restam partes do Convento Real, a que chamam o Palácio de D. Manuel, e a Galeria das Damas, de 1510, que se salvou de um incêndio ocorrido em 1916, uma estrutura mudéjar-manuelina lindíssima.
Podemos, ainda, apreciar a relíquia da cidade, a Igreja de São Francisco, a riquíssima matriz real, que integra a famosa Capela dos Ossos. D. Manuel I partia amiúde a Castela e Aragão, no impulso das suas questões amorosas. Agradar-lhe-ia, porventura, a arquitectura do reino vizinho. Por isso, empreitou para Évora muitas obras a mestres hispano-árabes, como o famoso Pero de Trilho. Não admira, portanto, que ela nos recorde tantas das cidades da Andaluzia ou da Extremadura espanhola. O jardim de Évora leva-nos ao Rossio, outro lugar importante do burgo, que enquadra a Praça de Toiros e a Ermida de São Brás. Foi D. João II, devoto do santo, que a mandou construir. Tem obras homónimas em Beja e na vila do Alvito, alvas e com ar acastelado, graças à cortina de ameias chanfradas e coruchéus cónicos. Esta cidade não tem paralelo em Portugal e é aquela onde a nossa História se desvenda com intenso prazer e enorme sentido. Em Junho, na última semana, o Rossio engalana-se para a secular Feira de São João. É a semana perfeita para se dedicar a Évora.

in... portal CGD

1 comentário:

  1. "Esta cidade redonda, que o imperador Augusto baptizou de Liberalitas Julia, é como um livro bem escrito, que principia a desfazer o sentido de orientação do visitante, depois atiça-lhe o fogo da curiosidade e faz dele prisioneiro, súbdito e amante cego dos seus segredos amontoados."

    FECHO OS OLHOS E IMAGINO...E JÁ NESTE MOMENTO VEJO-ME TAL QUAL "SÚDITO E AMANTE CEGO" DOS SEGREDOS TODOS...

    Obrigada por partilhar algo espetacular!

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