sábado, 16 de janeiro de 2010

A má medalha

A má medalha


por JOÃO MARCELINO

1. Cavaco Silva vai condecorar Santana Lopes na próxima terça-feira com a grã-cruz da Ordem de Cristo, que distingue "destacados serviços prestados ao País no exercício das funções dos cargos que exprimam a actividade dos órgãos de soberania ou na administração pública, em geral, e na magistratura e diplomacia, em particular".

É uma decisão surpreendente, em especial porque não há alguém que em Portugal se interesse pela vida pública e não saiba como o actual Presidente da República avalia, em termos políticos, o seu antigo secretário de Estado. Sobretudo como avaliou a acção governativa dele nos escassos quatro meses que se seguiram à fuga de Durão Barroso para a Comissão Europeia.
Recordo: foi um artigo publicado no Expresso ("A má moeda expulsa a boa moeda"), escrito a partir de Boliqueime, que feriu de morte a credibilidade de Santana Lopes como primeiro-ministro.
Jorge Sampaio recebeu esse texto como uma bênção e durante estes cinco anos várias vezes Santana manifestou a sua mágoa pelas consequências de tão devastadoras palavras.
Esta medalha é, portanto, um absoluto mistério, ditada por alguma coisa que não a coerência.
O que devemos pensar? Não sei. Apenas me atrevo a dizer que a política é o que é; e Cavaco parece ser, cada vez mais, um político como os outros. Uma pena.
2. O mais estranho neste caso, no entanto, é que a hipocrisia política se junte a uma visível interferência na luta eleitoral em curso no PSD.
Como se sabe, há um candidato assumido (Pedro Passos Coelho), um outro com vontade de o ser (José Pedro Aguiar-Branco), e Santana Lopes a correr por fora, tentando o "golpe" do congresso extraordinário, onde a sua oratória pudesse mudar a actual relação de forças do partido. Nada de novo quanto a Santana. Estamos perante um homem de inegável talento político, mil vezes morto e outras tantas ressuscitado, que nunca desistirá de perseguir um objectivo que se não é o seu destino é pelo menos a sua obsessão: liderar (de novo) o PPD/PSD.
Com esta medalha, que já teve três anos para atribuir (se quisesse parecer antes tão isento, tão isento, que até consegue atribuir medalhas a pessoas que não aprecia em termos de acção política), o Presidente da República coloca--se no centro da polémica no PSD. Parece querer indicar um caminho, uma preferência, ou no mínimo condicionar as condições em que se fará a sucessão de Manuela Ferreira Leite.
O álibi da condecoração que só faltava a este primeiro-ministro remeter-nos-ia para o campo da ingenuidade. Ora um ingénuo pode franquear as portas do Céu mas não conseguiria nunca entrar em Belém, naquele palácio que fica ao cimo do Páteo das Damas e onde esta semana entrou João Salgueiro…
Para que fique claro, não vá alguém tresler: ainda hoje entendo que Cavaco Silva escreveu há cinco anos um excelente artigo, corajoso, patriótico, muito importante para Portugal na altura. Essa medalha o Presidente da República tem-na, e merece-a. Esta é que muitos portugueses não entendem.
No Parlamento parece que José Sócrates quer desafiar meio mundo (o de Manuela Ferreira Leite, que não tanto o de Paulo Portas…). Mas, entretanto, o Instituto de Crédito Público divulga uma nota para as agências de rating a anunciar a intenção do Governo de corrigir o défice, de congelar os salários da função pública e de outros sacrifícios que passam pela disponibilidade do maior partido da oposição, o PSD, para um acordo de médio prazo neste sentido. Ou seja, ontem no Parlamento representou-se mais uma peça da velha revista "à portuguesa". Só pode ter sido isso…

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