segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Albino Forjaz de Sampaio

Meu amigo:
De que te hei-de falar?
Da Vida?
Pois seja.
A vida é a escola do cinismo.
Trazes coração?
Esmaga-o ao entrar como uma coisa que nos compromete, que nos avilta.
Se acaso és bom – tolice – não venhas.
Aqui, para triunfar, é preciso ser mau, muito mau.
Sê mau, cínico, hipócrita e persistente que vencerás.
Serás aclamado, respeitado e invejado.
Ri de tudo, que é preciso que rias.
Abafa o protesto com um sorriso, uma agonia com uma gargalhada,um estertor com uma praga.
Sê polido, meu amigo.
Encobre a raiva sob o riso, e o riso sob o pesar.
Odeia os que sobem e os que pretendem subir, odeia os que subiram e os que um dia subirão.
Odeia todos e desconfia.
Vem, mas vem cínico.
Triunfarás, terás oiro, amantes, mulheres, o diabo.
Ou serás vencido ou vencedor.
Se vencido esperam-te tôdas as humilhações desde o desprêzo até à compaixão.
Se vencedor todos os triunfos desde o respeito ao Capitólio.
Luta sempre, calado, fino, sabido, que se não tens geito para isto serás um eunuco eterno, castrado para a Vida, para o Amor, e para o sonho.
Acredita que todos se vendem, homens e mulheres, palhaços e imperadores, cristos e mendigos: a questão é de preço e o preço sufoca tôdas as consciências, tôdas as revoltas.
Acredita que falta quem compre toda a gente que se quer vender.
A geração é de cobardes e “cada ano que passa está mais corrupto o mundo”.

Albino Forjaz de Sampaio
Da Academia das Sciências de Lisboa
PALAVRAS CÍNICAS
1905

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