segunda-feira, 15 de junho de 2009

António Aleixo - Poeta Popular






António Aleixo nasceu em Vila Real de Santo António a 18 de Fevereiro de 1899 e faleceu em Loulé em 16 de Novembro de 1949. Poeta de cariz popular foi um filósofo de primeira água na forma como via as desigualdades sociais, um revoltado da sociedade em que vivia e de forma simples e realista transmitiu em verso o que lhe ia na alma.
Cantor popular nas feiras da região,guardador de rebanhos, cauteleiro ... viu uma filha morrer-lhe de tuberculose sem ter meios para a poder tratar. A revolta que lhe ia na alma, os desencantos da vida, tudo isso sublimou em verso de uma forma genial. Conhecido como o Poeta do Povo, práticamente analfabeto, as poucas letras que aprendeu foi já na fase da doença quando esteve internado no sanatório. Pela boa vontade de Joaquim Magalhães que recolheu a sua obra dispersa, foi publicado a titulo póstumo " Este livro que vos deixo". Escreveu ainda entre outros o "Auto do Ti Jaquim".


Eu não tenho vistas largas
Nem grande sabedoria
Mas dão-me as horas amargas
Lições de Filosofia.

Quem nada tem, nada come;
E ao pé de quem tem de comer,
Se alguém disser que tem fome,
Comete um crime, sem querer.

A quadra tem pouco espaço
Mas eu fico satisfeito
Quando numa quadra faço
Alguma coisa com jeito.

Mentiu com habilidade,
fez quantas mentiras quis,
Agora fala verdade,
ninguém crê no que ele diz.

Embora os meus olhos sejam,
os mais pequenos do Mundo
O que importa é que eles vejam
O que os homens são no fundo.

É fácil a qualquer cão
Tirar cordeiros da relva.
Tirar a presa ao leão
É difícil nesta selva.

Quando os Homens se convençam
Que à força nada se faz,
Serão felizes os que pensam
Num mundo de amor e paz.

Tu, que tanto prometeste
enquanto nada podias,
hoje que podes -- esqueceste
tudo o que prometias...

O meu merceeiro é um santo
e há quem diga que ele é mau!
Digo-lhe só: -- dou mais tanto,
já me arranja bacalhau.

Não sou esperto nem bruto
Nem bem nem mal educado;
Sou simplesmente o produto
Do meio em que fui criado.

Quem me vê dirá: não presta,
nem mesmo quando lhe fale,
porque ninguém traz na testa
o selo de quanto vale.

Muito contra o meu desejo,
sem lhe querer dizer porquê,
finjo sempre que não vejo
quem finge que me não vê...

Diz que viver é sofrer ...
concordo. Mas não compreendo
que ninguem ouse dizer
que se aprende sofrendo.

Quantas sedas aí vão,
quantos brancos colarinhos,
são pedacinhos de pão
roubados aos pobrezinhos!

À guerra não ligues meia,
Porque alguns grandes da terra,
Vendo a guerra em terra alheia,
Não querem que acabe a guerra.

Da guerra os grandes culpados
Que espalham a dor da terra,
São os menos acusados
Como culpados da guerra.

Se os homens chegam a ver
Por que razão se consomem,
O homem deixa de ser
O lobo do outro homem.

Por que a vida me empurrou
caí na lama, e então...
tomei-lhe a cor, mas não sou
a lama que muitos são.


Vós que lá do vosso Império
prometeis um mundo novo,
calai-vos, que pode o povo
qu'rer um Mundo novo a sério.

Que importa perder a vida
em luta contra a traição,
se a Razão mesmo vencida,
não deixa de ser Razão

Uma mosca sem valor
Poisa c'o a mesma alegria
na careca de um doutor
como em qualquer porcaria.

P'ra mentira ser segura
e atingir profundidade
tem de trazer à mistura
qualquer coisa de verdade.

São parvos, não rias deles,
deixa-os ser, que não são sós:
Às vezes rimos daqueles,
que valem mais do que nós.

Julgando um dever cumprir,
Sem descer no meu critério,
Digo verdades a rir
Aos que me mentem a sério!

Há luta por mil doutrinas.
Se querem que o mundo ande,
Façam das mil pequeninas
Uma só doutrina grande.

Sei que pareço um ladrão...
mas há muitos que eu conheço
que, sem parecer o que são,
são aquilo que eu pareço.

Sem que discurso eu pedisse,
ele falou, e eu escutei.
Gostei do que ele não disse;
do que disse não gostei.

Morre o rico, dobram sinos;
Morre o pobre, não há dobres...
Que Deus é esse dos padres,
Que não faz caso dos pobres?

O mundo só pode ser
melhor do que até aqui,
quando consigas fazer
mais p'los outros que por tí!

Veste bem, já reparaste?
mas ele próprio ignora
que, por dentro, é um contraste
com o que mostra por fora.

Eu não sei porque razão
certos homens, a meu ver,
quanto mais pequenos são
maiores querem parecer.

Nas quadras que a gente vê,
quase sempre o mais bonito
está guardado pr'a quem lê
o que lá não está escrito.

Vemos gente bem vestida,
No aspecto desassombrada;
São tudo ilusões da vida,
Tudo é miséria dourada.

Os novos que se envaidecem
Pelo muito que querem ser
São frutos bons que apodrecem
Mal começam a nascer.

Para triunfar depressa
cala contigo o que vejas
finge que não te interessa
aquilo que mais desejas.

Os que bons conselhos dão
ás vezes fazem-me rir
por ver que eles mesmos,
são incapazes de os seguir.

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